Acabei de ler um pequeno livro da Penguin Readers com 3
contos do F. Scott Fitzgerald. O livro tem como título o nome do primeiro conto
– Babylon Revisited.
Francis Scott Fitzgerald foi um autor americano tornado
célebre no início dos anos 20. Diz-se que os seus livros oferecem um vívido
retrato daqueles que foram os anos da boémia “Idade do Jazz”. Fitzgerald teve
uma educação de classe média alta, com muitos privilégios, e andou em
Princeton. No entanto, a sua insistência em viver da escrita também lhe valeu
períodos financeiramente mais difíceis – chegou a reparar tetos de carros
durante a escrita dos seus romances. Talvez tenha sido esse vislumbre do que
poderia ser uma vida de riqueza material, das despreocupações dos ricos, que
lhe tenha deixado a tendência para a retratar nas suas obras esse lado da
sociedade.
Babylon Revisited
Passa-se em Paris mas as personagens são americanas. É sobre
um homem que enriqueceu no boom que precedeu a o crash de 1929. Nessa altura de
prosperidade o protagonista levava uma vida de boémia em Paris com a sua mulher...metiam-se
com pessoas malucas, outros boémios, também, e esbanjavam dinheiro por todos os
pares e hotéis da cidade. Tiveram uma filha.
A mulher morreu de doença, depois de uma discussão que tiveram. Isto fez com que a cunhada do protagonista o culpasse da morte da sua irmã. O homem foi-se embora, deixando a filha com a cunhada, que a criou juntamente com
os seus filhos.
A história descreve o retorno do protagonista a Paris e o
seu desejo de voltar a aproximar-se da filha, ainda pequena, antes que seja
tarde demais. Deseja levá-la para Praga, onde tem negócios prósperos, e onde
restabeleceu uma vida estável. A filha, chamada Honorie, na sua inocência
infantil fica contente com a ideia.
Há várias peripécias ao longo da história, das quais a mais
notável é o reencontro de um casal amigo, antigos companheiros de boémia, e
que, ao contrário do protagonista, não mudaram em nada e só lhe trazem
problemas à sua vida agora refeita. São o objeto em que se materializam todos
os seus sentimentos de arrependimento por ter deixado essa vida hedonista deixá-lo no
estado em que está - viúvo, sem filha, e de certa forma sozinho no mundo.
Essa solidão reflete-se também na cidade: Fitzgerald
estabelece um contraste entre a Paris vibrante dos tempos em que a bolha estava
em crescimento no mercado, com os seus bares onde a bebida fluía e os risos não
paravam, e a Paris pós-crash, vazia, mais comedida e rotineira. Mais sozinha,
como vista pelos olhos do protagonista.
The Cut-Glass Bowl
A história trata dos Pipers, um casal rico - como toda a
gente sempre é nas obras de Fitzgerald - , que aquando do seu casamento, receberam
várias grandes taças de vidro trabalhado. As taças tornam-se veículos de várias desgraças que vão acontecendo ao casal...
A história começa numa altura em que Mr.Piper já perdoou a
mulher por uma traição. Mas o primeiro episódio é precisamente um momento em
que o antigo amante aparece inesperado em casa dos Pipers quando o marido está
ausente. Mrs.Piper tenta pô-lo fora antes que o marido descubra, o que acaba
por acontecer quando o amante tenta sair sem ser notado mas parte uma das taças,
revelando a sua presença.
Depois disto seguem-se várias peripécias ao longo dos anos
da família. Numa festa embebedam-se todos com ponche servido duma das taças e
parcerias de negócios azedam, noutra ocasião a filha corta a mão numa das taças, tendo depois que ser amputada, e noutra ainda uma carta depositada numa
das taças revela a obrigatoriedade do amado filho ir para a guerra. Desta
última vez Mrs.Piper sabe imediatamente onde encontrar a temida carta, cujo recebimento lhe é anunciado por uma criada. É aqui que se apercebe do bizarro efeito das taças
de vidro. Depois de ler essa última carta, a meio da noite e num esforço enorme, pega na última taça e
tenta levá-la para a escadaria de pedra em frente da casa, para a partir.
Acontece que neste esforço acaba por cair juntamente com a taça, sendo a derradeira
desgraça a sua morte.
A história só toma o ritmo mais cativante e quase
sobrenatural que mais me agradou quase a meio; até lá descreve de forma
demasiado monótona a vida quotidiana da família e as relações entre os vários
personagens. A festa do ponche, por exemplo, é um episódio que só se torna
interessante quando se descobre que a filha está gravemente doente. Ainda assim
algumas descrições têm comparações e imagens cativantes, bem ao estilo de
Fitzgerald. Esta história destaca-se de certa forma do resto das obras do autor por não se dar num ambiente urbano ou tão boémio como o que se tornou mais
característico do escritor. Talvez por isso não seja tão interessante, apesar
de não deixar de ser uma boa leitura.
The Lost Decade
A terceira e última história é de longe a mais estranha...É
muito curta. Trata de Orrison Brown, um empregado de escritório que fica
encarregue de entreter um amigo do chefe durante a hora de almoço, na cidade de
Nova Iorque. O amigo do chefe, chamado Trimble, age de forma muito estranha.
Apesar de o chefe ter pedido para Orrison lhe apresentar a cidade, como se ele
não a conhecesse, Trimble age como se tivesse sido uma figura importante há
muito tempo. Durante toda a pequena história Trimble vai dizendo frase vagas e
misteriosas, nunca se percebendo bem se o que ele diz é para ser levado
literalmente ou como metáforas. A história tem um certo aspeto de reflexão
sobra a passagem do tempo, o quão insignificante uma vida urbana pode ser, a
ilusão de importância individual, qualquer coisa do género.
Em gerla, acho que falta às personagens de Fitzgerald um lado mais introspetivo... Como leitores, nunca conseguimos muito bem perceber o que vai dentro da cabeça das personagens, salvo alguns momentos. Suponho que é o estilo do autor, mas esta é uma característica de que costumo gostar, e que enriquece obras como O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.